“Minha mãe (71 anos) está com uma baixa contínua de visão. Há aproximadamente seis meses ela começou a sentir a visão ficar embaçada, escura e sentir fotofobia. Os sintomas começaram lentamente, mas de forma progressiva. Marcamos então um oftalmologista que logo constatou uma pequena catarata, mas que não justificava tamanha baixa de visão, não sendo necessário operar. Buscamos outros médicos para ouvir outras opiniões e encontramos um médico que nos incentivou a operar a catarata A cirurgia foi realizada mas mesmo após o procedimento os sintomas continuaram. Voltamos no médico que realizou a cirurgia e ele nos pediu vários exames (curva tensional diária, retinografia, fundo de olho, campimetria visual).
Os resultados estavam dentro da normalidade Êle então nos encaminhou para um neurologista que por sua vez nos pediu mais alguns exames (RM Crânio e Órbita, sangue, RM Coluna Cervical) os resultados também estão dentro do normal. Como possível diagnostico, o médico fala em seqüela de Neurite Óptica com Retinopatia Hipertensiva e fundo de olho pálido. Em inicio de setembro o exame apontou AVCC 20/40 e agora, uns dez dias depois a acuidade diminuiu para 20/50. Gostaria de saber que mais podemos fazer pois o problema está progredindo e nenhum médico nos dá um diagnóstico definitivo ou aponta um possível tratamento”.


O relato clínico é reticente. Foi embaçamento súbito? Ao acordar? Ela se queixava de escurecimentos transitórios da visão antes do episódio atual de embaçamento? Faltam dados.

E se o diagnostico de suposição é a neurite óptica, mais precisamente uma neurite óptica não arterítica (NOIA-NA), dados a respeito da visão de cores, das pupilas, da análise seqüencial comparativa da campimetria visual (pelo menos dois exames consecutivos) também faltam…

Ela faz uso crônico de algum medicamento (p.ex. deflazacort, tamoxifeno,etambutol) que tem como possível efeito colateral a neurite óptica? Que doenças crônicas ela apresenta? Diabetes, hipertensão arterial, aterosclerose ,hipotensão arterial noturna importante (observada no exame de monitorização arterial ambulatorial da pressão arterial – MAPA) , doença carotídea (obstrução fluxo em artérias carótidas e/ou vertebrais)?

Ela tem discos ópticos pequenos (“crowded”)? Em 30% dos casos (NOIA-NA) pode haver priora gradual da visão, mesmo após o episodio agudo. Exames de proteina-C reativa e VHS elevados?

O exame de potencial evocado visual (PEV) evidencia possível doença do nervo óptico ao detectar defeito de condução da informação (fibras nervosas) até o cortex visual (occipital).
Uma vez confirmada a NOIA-NA deve ser feita a prevenção do acidente no olho contra-lateral . E se há hipertensão arterial, deve-se monitorizar o tratamento (cardiologista e oftalmologista em conjunto) para não diminuir excessivamente a oxigenação do nervo óptico. A hipotensão arterial noturna pode ser um desencadeante da NOIA-NA.

Você fala em seqüela de neurite e em retinopatia hipertensiva (o fundo de olho pálido poderia ser secundário à neurite). A falta de oxigenação do nervo óptico por interrupção ou redução importante do fluxo sanguíneos nas artérias que irrigam e nutrem o nervo costuma ser o mecanismo desencadeante da NOIA. As alterações vasculares costumam afetar mais freqüentemente nervos ópticos muito pequenos, anatomicamente predispostos a esse tipo de acidente. Uma infecção crônica, alteração na forma das plaquetas, obstrução na carótida do mesmo lado do olho que apresentou a neurite são alguns dos fatores que podem ter desencadeado a doença.

Como tenho dito anteriormente, a especulação baseada em sintomas apenas, sem examinar o paciente não é a melhor conduta ou forma de ajudar. O ambiente virtual serve apenas à orientação. Converse com o oftalmologista responsável pelo caso e coloque suas dúvidas. Tenho certeza de que ele esclarecerá todas elas e o orientará a respeito da melhor forma de conduzir o tratamento da sua mãe.

O que eu poderia acrescentar ao que já foi dito é que: a neuropatia óptica isquêmica anterior (mais freqüente) ou posterior é evento que acomete indivíduos com doença microvascular ou no pós-operatorio de doenças cardíacas ou de coluna vertebral. Pode ocorrer hipóxia (redução do fluxo sangüíneo) na hipotensão arterial severa, no choque (dengue hemorrágica) ou mesmo pós-viral. A apnéia do sono aumenta as chances do episódio de sofrimento vascular.

O tratamento da NOIA-NA é ainda controverso; a evolução natural da doença na maioria das vezes mostra uma melhora (e não piora) após o evento inicial.Em alguns casos, mas não é regra. Se existem alterações na forma ou tamanho das plaquetas (um tipo de células sangüíneas) isso leva a um aumento na dificuldade da “circulação” do sangue e essas alterações podem contribuir negativamente. Para evitar evento semelhante no outro olho costuma ser prescrito um anti-agregante plaquetário. A investigação sistêmica (clínica e não apenas oftalmológica) é imperativa para fazer a prevenção da doença no olho contra-lateral.

É importante daqui para frente lembrar sua mãe de que o controle da doença microvascular é essencial para que outros fenômenos isquêmicos (não apenas oftalmológicos) não ocorram.
E é sempre bom lembrar que em se tratando de neurite (o diagnostico ao qual você se referiu), o resultado funcional (20/50) é considerado BOM. Removendo possíveis fatores predisponentes ou melhor, que possam contribuir para a falta de oxigenação, provavelmente a visão não piorará. Mas a neurite óptica isquêmica é a expressão aguda de um provável regime de hipóxia relativa (crônica) característica da doença microvascular. O controle após o episodio agudo é feito com incentivo ao combate do sedentarismo, reavaliação dietética, melhor controle (medicamentoso) da doença hipertensiva com o cuidado de avaliar possível hipotensão arterial noturna importante (situação que diminui muito a irrigação do nervo óptico).

Como já disse antes, converse com o médico assistente. Ele com certeza já falou sobre o que comentamos aqui. Mas se ainda existem dúvidas retorne a ele e esclareça. Entender o que provavelmente aconteceu ajuda a lidar com a perda funcional e incentiva melhor controle da situação clínica que possivelmente contribuiu para o evento evitando assim mais incidentes (oftalmológicos ou não).